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quarta-feira, 27 de outubro de 2021

Ser mulher



Durante gerações e gerações, ser mulher na nossa sociedade é luta diária, nossos enfrentamentos se iniciam na tenra idade, quando nos é imposto um modo ser, que vez ou outra nos engessa enquanto ser humano, somos ensinadas a servir, sorrir, não contrariar, não criarmos obstes a ninguém, não gritar, não correr, não suar, diferente disso seremos a “Maria homem”, ouviremos que agimos como meninos e que devemos nos portar como meninas que somos, “menina mulher”.

Um contrassenso, este “ser mulher”, posto socialmente, ele nos engessa, nos coloca sempre num lugar de submissão, subserviência, uma prisão sem grades.

Ser mulher, é luta diária, lutamos por direitos que já são postos, pelo respeito inerente a condição humana, lutamos para ter nossos corpos e ideias respeitadas.

Ser mulher, é romper com a ideia esdrúxula que nascemos tão somente para casar e constituir família, o que não é nenhum problema, quando essa escolha é livre, quando às imposições sociais não pesam mais que a felicidade da mulher em ser quem é.

Ser mulher, é também ter acesso ao mercado de trabalho em condições igualitárias, é não ter nosso curriculum desprezado por questão do gênero, é termos respeitada a equidade salarial quando exercemos a mesma função, com mesma qualidade técnica que um homem.

Ser mulher, é pensar na roupa que vestiremos para não” chamar tanta atenção” e “evitar abusos”, é atravessar a rua para não precisar passar por um grupo de homens sozinha, pois temos medo.

Perceba o quão absurdo é esse comportamento de pensarmos na roupa que vamos vestir para evitar sermos assediadas, como se a culpa do assédio que sofremos fosse nossa, como se o comportamento que tivesse de mudar fosse o nosso, e não de quem assedia e constrange uma mulher.

Perceba que o direito constitucional de ir e vir para mulher é relativizado, pois vai depender da hora, de onde ela pretende ir, se ela está acompanhada ou não. Perceba que a preocupação do homem quando é assaltado são os bens materiais, da mulher é sua própria vida, seu corpo.

Ser mulher é ter preocupação ao frequentar algum estabelecimento sozinha, pois não temos total segurança, é pensar que podem colocar algo na nossa bebida e sermos violentadas. Tenham certeza que a Mari Ferrer¹ não foi a única, todos os dias diversas mulheres tem seus corpos violados, agredidos, sua vontade desrespeitada.

Sabe aquele “despretensioso” assoviar e virada de pescoço quando passa uma mulher, que para muitos homens pode ser tratado como um gracejo, bem como às famosas cantadas de rua e os comentários desrespeitosos, para nós mulheres causam medo, além de ser constrangedor, pois não sabemos qual será a ação seguinte, pois tememos pelas nossas vidas, pelos nossos corpos.

Sabia que em algumas cidades do Brasil criaram o “vagão rosa”? Nestes, nos horários de pico, apenas mulheres podem ingressar, isso por que são incontáveis o número de mulheres que são assediadas no transporte público. Essa é apenas uma medida para tentar salvaguardar a integridade física e psíquica da mulher, e não um privilégio, é uma necessidade.

Importa dizer-lhes que a cantada de rua, os comentários desrespeitosos são crimes e de acordo com nosso código penal esses comportamentos configuram o crime de importunação sexual, com pena de um a cinco anos de prisão.

O assédio, por sua vez, é o ato libidinoso que acontece sem o consentimento da vítima, este pressupõem a existência de uma relação hierárquica entre às partes, logo é muito comum no ambiente de trabalho, punível com um a dois anos de prisão.

Ser mulher é viver em constante estado de alerta, é bradar todos os dias pelo respeito que a nós é inerente, por direitos que já são nossos, é buscar uma sociedade mais justa e igualitária, é termos nossos corpos e anseios respeitados, é não sermos diminuídas pelo nosso gênero, é sermos vítimas da misoginia diária e nos levantarmos todos os dias contra às inúmeras violências que sofremos.

E mulher, em qualquer situação que você venha a ser constrangida, agredida, ameaçada, assediada, tenha seu corpo violado de alguma forma, denuncie, não se cale, nunca se cale. Ligue 180².

Ainda a muito a caminhar, ainda a muito a melhorarmos enquanto sociedade, e essa, com certeza, não deve ser apenas uma luta das mulheres, mas de todos, independente de gênero.

Esse levante é geral, que os homens reconheçam essa necessidade de mudança cultural e comportamental.

Toda mulher, independente de raça, condição social, deve ter preservada sua integridade física e mental, são garantias mínimas a todo ser vivente, e esse respeito não é um favor, é um dever.


Aline Félix³, 21/10/2021.


Referências:

1- Mari Ferrer: Jovem de Florianópolis que denunciou ter sido dopada e estuprada na boate Café de La Musique no ano de 2018.

2- Disque 180: Para denunciar e buscar ajuda a vítimas de violência contra mulheres.

Matéria publicada no Jornal Diário de Barão em 23/10/2021
 

sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

Amanhecer

Amanheço
Com o peito rasgado
A carne rompida
Dilacerante

Amanheço rompendo o verbo
Atravessada
Por tudo que em mim transborda

Amanheço com o porvir

Pendente, faltosa, em pedaços
Carne amanhecida

Amanheço sem tempo de voltas
Amanheço sem eira, beira ou direção

Amanheço

Febril, cortante, incompleta
Amanheço com o porvir

Diário

Como se braços, pernas e tronco não fossem meus

Mais um dia
E sobra espaço no tempo
Falta tempo no momento

Tempo corrido, faceiro
Tempo amanhecido 
Sobra tempo nos dias
Todos os dias tardo o instante

De olhos fechados
O tempo escorre pelos dedos

Plácido, amanhecido
Todos os dias entardeço

Sem sol, em pedaços
Recomponho-me

Amanheço.

AF - 18/01/2019

terça-feira, 20 de novembro de 2018

AMOR


Meu amor não tem eira
Beira, cor ou etnia
É livre
Qual navio a deriva mar afora
Plana sem arbítrio

Meu amor não tem beira
Não cabe em formas
É o que é

Sem espaços prévios que possa ocupar
Ocupa

Peitos vazios
Latifúndios sanguíneos

Ele é o que é
E pulsa, e estremece, e ama
É o que é

Não segue coordenadas, diretrizes de bem viver

O meu amor apenas ama
Sem fórmulas mágicas
Sem cartografia, não se localiza em mapas
Não se justifica pelos astros ou pela alquimia
O meu amor é rarefeito
E se expande
Para além do peito
Para além dos beijos, dos corpos, das dores
O amor é rarefeito e toca melodicamente os incautos
O meu é
Sem motivo aparente AMA.

Aline Félix
20/11/2018

quarta-feira, 23 de maio de 2018

Abraços

Arritmia
Tensão nervosa
A adrenalina corria o corpo
Sensação de anestesia 


Tudo pulsava
Mãos suadas
Vacilos cardíacos
Dislexia
Desencontro entre ação e sensação

Tudo pulsou
Seguiu sem direção acertada
Fluiu, derramou-se

Instante de anestesia auditiva
Perda visual
Foi tudo tumulto
Escuridão que ofusca
Reacende o verbo
Da voz, mas se cala

Transgride

Foi tudo poesia
Abraço sanguíneo
Como tenazes

Deleito-me

Foram horas perdidas no tempo
Um desacelerar de braços e abraços

E tudo pulsou
Fez vendaval
Faz poesia

Noutros braços
Outros abraços. AF

terça-feira, 15 de maio de 2018

HUMANO



Todo esse sentimento
Não me corta
Atravessa
Rompe-me física e mentalmente
Todos os meus anjos e demônios tem sido expurgados

Dia a dia

Todo esse sentimento
É corredeira de rio caudaloso
Buraco negro
Abismo sem fundo
Pulsa, vibra, transborda, enlouquece...

Minhas sinapses não fazem mais ligações nervosas
Eletrocutam-se
Na condição de humano
Todos os sentidos tem se apurado na dor
Penso e acredito na passagem das horas, do tempo, dos sentidos, do sentir

Ah, como é efêmera essa vida
O prazer e a dor sempre compassas fiéis a esgueirar-se
Juntos, de mãos dadas

E qual sentido em todo esse sentir?
A humanidade que tanto me fascina
Hoje? Transborda.

Aline Félix
15/05/2018







terça-feira, 13 de março de 2018

Sopro de Luz




Perdemos tempo com o desamor
Deixamos de ter bons momentos
Para provar alguma razão
Usamos o tempo do outro como nosso
Deixando-o na espera
Criando expectativas que não iremos corresponder
Gastamos energia demais para provar o amor que não existe

Perdemos tempos de vida
Exaltando a si mesmo e nossas convicções
Quando o silêncio é a solução
Quando o deixa a vida seguir seu prumo traria leveza
Mas optamos em brigar pelo amor que não temos
Por certezas inabaláveis
Por conquistas materiais
Quando o amanhã é totalmente incerto

Ainda sabendo do livre arbítrio
Da vontade que pulsa
De que se doer
Faz parte e vai passar

Perdemos tanto tempo em orações
Para mudança do outro
Quando o outro tem sua verdade

Perdemos tempos de vida
Sabendo que nada é eterno
Mas você pode ter felicidade em dias nublados
Olhar por outras janelas
Romper fronteiras de outros países

Perdemos tempos de vida
Quando a vida é um sopro de luz

Aline Félix, 13/03/2018

sexta-feira, 2 de março de 2018

Outono

Vai se despedindo o verão
Vagorosamente

Ah, essa garoa
Vem lavar esse peito que grita
Tempesteia
Faz os dias menores
Noites extensas 


Meu peito é redenção
É chuva em noite de lua cheia
Poesia presa na garganta

Em todas essas noites de outono
O pensamento se esgueira por entre vielas
Noite adentro

Tudo é introspecção
Do vinho tinto
Aos diálogos mentais comigo mesma

O outono é preparação
Vem para sagrar a terra
Ameniza os ânimos e o clima

Sorrateiro
Lava minha alma

Ao fim se despede

Sem delongas

Dorme noites mais tranquilas

02/03/2018

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

Silêncio



Hoje somos silêncio
Paz às avessas
O tempo escorrega pelas cobertas
Todas as manhãs a mesma sensação

E silêncio

Ele ecoa, vibra, pulsa
Sinto correr pelas veias
Frio, plácido, sanguíneo

Reverbero silêncio
Não há grito mais ensurdecedor

Antes o caos

Ouvir-se é guerrilhar consigo
Hastear bandeiras brancas sem sucesso
Rogar pelo fim das batalhas

É querer paz e ser guerra
É rasgar-se por dentro e não encontrar sentidos
É ser avesso a si mesmo
É incompreensão
É lutar e não desistir
É aprender a ser amor e ser melhor

O silêncio me inunda, transborda, precipita

De mãos dadas comigo
Sem tréguas
A mais difícil caminhada é o autoconhecimento.

terça-feira, 3 de outubro de 2017

Ser Poesia




Da cabeça
As voltas do horizonte

De pés no chão
Braços dados com o incerto

O pensamento vagueia
Estremece o corpo inquieto

Tenho dito não

Caminho sem rota acertada
Descoordernando seu traçado

Ela atravessa meu corpo
Desnorteia sentidos
Estremece minhas certezas
Sempre se achega

Quer sair
Correr livre
Atravessar outros corpos

Desdizer
Faz-me refém
Todos os dias explode em sentimentos
Transmuta-se

Poesia não dita, passada, avessa, fluida
Poesia [bem]dita
Salvai-me





quinta-feira, 1 de junho de 2017

Estribeiras


Segue sem tino
Destino é destino
Torce, retorce, endireita
Desafrouxa a camisa
Pés no chão
O vôo hoje e rasante
Vamos passar rente
Tirar o fino

Destino é destino

O amanhã?
É para ser escrito a nanquim
Com tinta fresca e cabeça aberta

Destino e destino

Pés no chão
Manhãs orvalhadas
Sigo desanuviando
Entardecendo todos os dias

Passo a passo
Sem rumo acertado
Sem marcas, formas ou ajustes
A certeza do caminho é caminhada.

terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Fluidez

Ela flui sanguínea
Corredeira ininterrupta
A atravessar sentimentos

Derrama-se

Ela se liquefaz
Transmuta

Flui constante
Faz a pele enrubescer
Pupilas dilatarem

Os sentidos ?
Se perdem
Margeiam as fronteiras da sensatez

Sempre a fluir
Como lava vulcânica
Abrasiva incandesce

Faz do verso
Seu último suspiro

Da palavra
Confissão

A reger com maestria
Tudo que pulsa sem forma definida
Reverbera em mim poesia... 

A.F. 
31/01/2017

segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Estações

É fim de tarde
Quando o céu é multicor
Os tons se misturam
Intercalam-se
Alaranjam o horizonte

Abrilhanta a pele
O dorso desenhado do passante distraído

Ele é parte do quadro
Contextualiza -se
Faz cena, em cena, incena

Assisto os fins de tarde
Aguardo o porvir

Hora ou outra os tons se arrefessem

Tom sobre tom
O céu multicor anuncia aquela que te arrebata

Entardece em mim

Pouco a pouco
Cadenciando o tempo
O passar das horas

Invadindo a cena
Atravessando o horizonte multicor

Entre uma estação e outra
Seja inverno ou verão
Ela sempre se achega

[Em] luarando  o entardecer
Foto: Isabela Correia